Como Israel se tornou uma referência mundial em cibersegurança

Texto de Guilherme Horn: Em março de 2017, numa tarde ensolarada e fria, bato na porta da sala do professor Yitzhak Ben Israel, na Universidade de Tel-Aviv. Lá dentro, uma das suas assistentes grita: “Professor, os brasileiros chegaram!”.

Segundos depois, o professor abre a porta, cumprimenta a todos e, com um molho de chaves na mão, diz: “Vamos procurar uma sala”. Calmamente vai abrindo, uma por uma, diversas portas no 3º andar do Blavatnik Cyber Security Center. Todas cheias, com jovens estudantes que pareciam bater papo e pouco ligavam para quem estava abrindo a porta. Até que ele desiste e diz: “Vamos ao auditório”.

Eu estava levando um grupo de executivos brasileiros, numa missão exploratória sobre cibersegurança em Israel. A reunião com o professor era um dos pontos altos da viagem. Afinal de contas, Yitzhak Ben Israel é uma das maiores autoridades do mundo no tema.

Ele fez carreira no exército israelense, onde chegou ao posto máximo, de general. Elegeu-se deputado em 2006, ficando no parlamento até 2009. Foi assessor especial do primeiro-ministro, para o tema de segurança cibernética. Em 2012, decidiu dedicar-se à academia e fundou o Centro de Cyber Security da Universidade de Tel-Aviv, com foco em disciplinas das áreas humanas e, não apenas, de ciências exatas.

Há cerca de 20 anos, o professor escreveu um relatório para o governo israelense, no qual alertava para a necessidade de se criar uma espécie de quarta força armada, focada em Segurança da Informação. No mesmo documento, Ben Israel também recomendava a criação de uma entidade com participação pública e privada para tratar do tema, pois, em sua visão, em poucos anos os maiores alvos dos terroristas cibernéticos seriam as operadoras de telecom, as geradoras e distribuidoras de energia, empresas de água e outras mais de infraestrutura.

A entidade foi criada e hoje é um importante órgão, responsável por diversas políticas, regras e ações no país. A previsão do professor se confirmou com o passar do tempo e, nos últimos anos, vimos ataques a diversas empresas de infraestrutura no mundo todo. O professor conta que o Brasil, em 2009, foi alertado pelo governo israelense de que um ataque à Usina Hidrelétrica de Itaipu estava a caminho, mas o aviso foi ignorado. Segundo Ben Israel, dois testes já haviam sido feitos pelos hackers: em 2005, causando um apagão no Rio de Janeiro, e em 2007, outro no Espírito Santo. Concomitantemente, ataques idênticos foram identificados em mais seis países, mostrando que havia interesses significativos em jogo. No Brasil, entretanto, o apagão de 2009 foi oficialmente atribuído a um acidente na rede de distribuição.

Ao decidir juntar-se à Universidade de Tel-Aviv, Ben Israel decidiu que o departamento de Cyber Security teria uma missão incomum: gerar soluções de segurança a partir de uma perspectiva não tecnológica. Ele acreditava que o maior desafio para a questão estaria ligado às pessoas. Por isso, os especialistas do Blavatnik Cyber Security Center vêm de áreas diferentes: são designers, psicólogos, sociólogos, antropólogos, médicos, economistas etc. O professor acredita que, se não enfrentarmos o tema da segurança cibernética com esses olhares, não seremos capazes de criar soluções realmente eficazes.

O tema de cibersegurança ganhou relevância adicional com a pandemia do novo coronavírus, pois o mundo progrediu na penetração digital. Ao avançar alguns anos em poucos meses, é natural que algumas portas tenham ficado abertas, o que representa oportunidades para os hackers de plantão. É em momentos assim que mentes brilhantes e visionárias como a do professor Yitzhak Ben Israel podem nos ajudar a dar os passos necessários para nos mantermos seguros como cidadãos de um mundo em que, enquanto pensamos de forma linear, as tecnologias evoluem em escala exponencial.

Texto publicado na Época Negócios