“Foodtech” e os ciclos econômicos do passado e do futuro

Texto: Renato Ochman, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Israel

Já pensou em comer um bife saído diretamente de uma impressora 3D? Ou adoçar o café com um açúcar de cristais mais eficientes nas papilas gustativas e menos calórico? Pode parecer ficção científica, mas esses são exemplos de uma revolução tecnológica que já está em andamento e deve mudar – e muito – a maneira como produzimos e consumimos os alimentos. Israel já deu a largada nessa jornada de inovação e o Brasil, que está correndo atrás do posto de número um na produção mundial de alimentos, precisa ficar atento a essa tendência porque tem muito a ganhar. Hoje, o Brasil exporta US$ 100 bilhões em alimentos com predomínio de commodities (principalmente carne, soja, milho, algodão e produtos florestais), o que nos remete ainda aos grandes ciclos econômicos do passado: ouro (século XVII), café e borracha (século XIX e início do XX), cacau (século XIX), entre outros.

A combinação de fatores como a limitação dos recursos naturais e a superpopulação do planeta tem criado as condições necessárias para que os cientistas se dediquem a repensar o que colocamos em nosso prato. Os avanços tecnológicos da indústria alimentícia também vem acompanhando essa tendência e certamente o arroz com feijão, bife e batata frita dos nossos netos será bem diferente do que conhecemos hoje. No futuro, o consumo de insetos, algas, e carne produzida em laboratório serão amplamente disseminados. Embalagens biodegradáveis, peixes e mariscos de laboratório, e café mastigável também serão parte da nossa rotina alimentar.

Em Israel, já são mais de 250 startups dedicadas ao desenvolvimento de “foodtech”. Dentre as 10 mais conhecidas e promissoras, estão a Doux Matok (açúcar), SuperMeat (“carne” de frango a partir de células), SeeTree (uso de analytics para fazendas), Ukko (proteínas que não disparam o sistema imune) e Lumen (app que monitora o metabolismo em tempo real para uma nutrição personalizada). Em comum, essas startups têm o fato de estarem inseridas em um ecossistema que apoia os empreendedores a acelerar seus projetos, atraindo a atenção e os investimentos de grandes nomes da indústria de alimentos e bebidas, o que consequentemente estimula mais pesquisas e estudos científicos correlatos.

A previsão é de que o mercado global de “foodtech” atinja os US$ 342,5 bilhões até 2027, de acordo com dados da consultoria Emergen Research. Em 2019, a cifra era de US$ 220,3 bilhões. O fato de a indústria de alimentos estar sujeita a uma regulamentação cada vez mais rígida por conta de questões de saúde, segurança dos alimentos, bem-estar animal, mudanças climáticas, consumo de energia, redução do desperdício, entre outros, ajuda a explicar o aumento dos investimentos em tecnologia.

Além da inovação que acontece nos laboratórios, o aumento do acesso à internet e aos smartphones nos mercados emergentes também fomentam o mercado “foodtech”. Isso porque as startups nascem para atender clientes que, com mais poder aquisitivo e mudança no estilo de vida, passam a demandar conveniência para fazer pedidos via app, realizar pagamentos online e receber cashback. Outra frente de atuação para as startups está nas linhas de produção da indústria alimentícia, cada vez mais robotizada, assim como em processos de digitalização que aumentam a previsibilidade da produção e, consequentemente, a produtividade.

Para o Brasil, o desenvolvimento desse mercado de alta tecnologia na área de alimentos é uma oportunidade de iniciar um novo ciclo econômico promissor. Mas diferentemente dos tempos gloriosos do café ou do cacau – que se por um lado trouxeram muitas riquezas ao país com a exploração das commodities, por outro também deixaram um gosto amargo quando as primeiras mudas foram plantadas em outros países -, podemos entrar como protagonismo nesse ciclo e ser o país número um na produção global de alimentos. O ponto aqui é entender essa alimentação do futuro e se adaptar à realidade do “foodtech” para surfar essa onda, criando um ciclo econômico sustentável.

A aproximação com empresas israelenses pioneiras nessa área, com a produção de fontes alternativas de proteínas, por exemplo, é um dos caminhos para os empreendedores brasileiros. Além das mais de 250 “foodtechs”, Israel conta atualmente com seis 6 institutos acadêmicos e 7 aceleradoras e incubadoras tecnológicas. A inovação israelense nesta área atinge todos os elos da cadeia de valor, desde o desenvolvimento de novas moléculas até os bens de consumo propriamente ditos.

Enquanto escrevo o artigo e penso nas oportunidades que o Brasil tem no horizonte, lembro do que um colega do agronegócio disse há alguns anos: “se todos os chineses tomarem pelo menos uma xícara de café por dia com uma colher de açúcar, estamos feitos!” Gostaria de aproveitar essa lógica para sonhar com o dia em que a carne impressa em 3D será a estrela de todas as culinárias do mundo.

Fonte: Época Negócios