Startup israelense que investe no monitoramento de lavouras mira o Brasil

Três anos atrás, ao se aposentar do serviço na inteligência militar israelense, onde trabalhou mais de 30 anos, Israel Talpaz passou a procurar “o que fazer no mundo real”. Decidiu, então, reunir as habilidades que adquiriu ao longo da carreira com a herança familiar, do pai agricultor em um kibutz. Assim nasceu a ideia da See Tree, startup especializada no monitoramento de lavouras de culturas perenes.

“Tinha a agricultura como pano de fundo na minha vida. Quis trazer a tecnologia e os conceitos que aprendi para esse mundo. Aprendi que há muitos problemas, diferentes desafios e percebi que as ferramentas que conhecia poderiam ajudar”, diz Talpaz, CEO da empresa.

Ele fundou a empresa em 2017, junto com outros dois sócios, com quem resolveu “combinar esforços” depois de decidir pela mudança de rumo na vida profissional. Guy Morgenstern, chefe de tecnologia (CTO) é engenheiro de computadores e empreendedor. Barak Hashamov, presidente-executivo (Chairman) é um chamado empreendedor serial com 25 anos de experiência em colocar startups no mercado.

Talpaz conta que a ideia de trabalhar com culturas perenes surgiu depois de avaliar que havia uma necessidade maior de ferramentas quando se compara com culturas anuais, como soja ou milho. E o greening, doença que atinge os laranjais de vários países, foi um dos primeiros problemas com o qual teve contato. Decidiu, então, começar pela citricultura a atuação da companhia.

Conhecido também como huanglongbing e HLB, o greening é causado por um pequeno psilídeo, o Diaphorina citri, transmissor da bactéria que ataca as árvores. Encontrado pela primeira vez na Ásia há mais de cem anos, não tem cura. Eliminar plantas infectadas e plantar mudas sadias ainda são as principais medidas de controle da doença, que causa severas perdas na produção.

No Brasil, por exemplo, a infecção dos pomares pela doença cresceu nos últimos dois anos no principal parque citrícola, que abrange São Paulo e Minas Gerais. Dados do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) divulgados no final de julho estimaram a presença em 19,02% dos laranjais, ou 37,1 milhões de árvores.

Ciente do tamanho do desafio, Talpaz resume a proposta da See Tree em três conceitos. O primeiro é o que chama de transformar os dados em inteligência: coletá-los, analisá-los e torná-los úteis. O segundo, ele chama de abordagem de campanha: integrar múltiplas bases de dados ao mesmo objetivo. O terceiro é o modelo do serviço, que deve ser entregue “empacotado” para facilitar a decisão do agricultor.

“O agricultor tem um trabalho full time. Não pode ficar sentado em frente a números e gráficos. Temos que processar os dados para ele. Como a inteligência militar, que lê todas as informações, empacota para o comando e diz: ‘essa é a situação que temos agora’”, explica Talpaz.

A partir daí, foi desenvolvido o sistema. Drones sobrevoam os pomares e tiram fotos de alta resolução. Essas imagens são processadas por sensores e algoritmos que, a partir parâmetros específicos da cultura da laranja, sinalizam para o usuário as plantas mais e menos saudáveis, mais e menos produtivas. Uma escala de cores facilita a identificação, apontando até pontos vazios, onde deve haver replantio.

Cada árvore do pomar é identificada. O usuário tem acesso ao mapa da fazenda pelo computador ou aplicativos em dispositivos móveis, que detalham o local e a situação individual das plantas. A proposta, explica Talpaz, é facilitar o manejo do greening na propriedade. Como não há cura para a doença, o objetivo é evitar que ela se espalhe pelo pomar.

O empresário garante ser possível monitorar o laranjal com eficácia a partir das imagens obtidas com o drone. Quando as árvores começam a ficar doentes, apresentam sintomas visíveis, como o amarelamento de folhas. O trabalho visual já é feito hoje, em terra, percorrendo os talhões. A foto aérea visa proporcionar uma visão mais ampla e indicar o foco do problema, facilitando a ação humana.

“Entendemos cada árvore como uma unidade. Medimos com muito cuidado e mostramos o problema ao agricultor em estágio inicial, quando é mais fácil e mais barato de resolver”, explica Talpaz. A ideia, acrescenta o CEO da See Tree, é de que, com o problema detectado precocemente e a ação mais localizada, as perdas com o greening sejam as menores possíveis.

A empresa começou neste ano a atuar nos Estados Unidos. E conseguiu um aporte de recursos de US$ 15 milhões de outro israelense, bem famoso nos negócios de tecnologia: Uri Levine, fundador do aplicativo de GPS Waze e investidor de outros sistemas voltados para a mobilidade, como o Moovit, voltado para o mapeamento de transporte público.

No Brasil, a See Tree anunciou o início da operação comercial em meados de abril. E foi selecionada com outras cinco startups israelense de diversos segmentos para participar de um programa mantido pela Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex-Brasil) em parceria com outras instituições para apoiar a fase inicial das operações aqui.

Mas os primeiros contatos da startup com a citricultura brasileira foram ainda em agosto de 2018. O sistema vinha sendo implantado em algumas centenas de hectares, em fase de testes. Os primeiros contratos comerciais estão em fase de finalização. A pretensão é ambiciosa: até o final do ano, ter entre 50 mil e 100 mil hectares de laranjais mapeados.

Israel Talpaz explica que os profissionais no Brasil foram treinados pela matriz, de onde também vieram os equipamentos usados pela divisão brasileira. Trabalhando em parceria com agrônomos brasileiros, começou com um grupo pequeno. Hoje são seis pessoas, número que espera aumentar na proporção dos negócios.

“O Brasil é uma grande potência na agricultura. Há grande potencial, grandes produtores, boa agronomia, experiência e conhecimento”, resume, ressaltando a condição do país de ser um dos principais mercados para sua empresa. Os contratos aqui são feitos por períodos determinados e incluem fatores como quantidade de hectares monitorados e número de sobrevoos de drone.

A See Tree já estuda como ampliar a atuação na citricultura brasileira, garante o CEO. Uma ideia é incluir a posição das armadilhas para o psilídeo causador do greening colocadas, geralmente, nos perímetros das lavouras. A partir dos dados, seria possível mapear essas armadilhas, a população de psilídeos e indicar por qual ponto da fazenda a doença está chegando no pomar.

“Estamos trabalhando bastante para ter a primeira versão dessa ferramenta funcionando em setembro. Acreditamos que ela será muito útil”, afirma Talpaz.

O empresário israelense quer levar seu sistema também para outras culturas perenes no país. Afirma ter conversas em andamento em setores como café, cacau, maçã e florestas plantadas. O processo é semelhante ao da laranja. Estudar os parâmetros específicos e desenvolver algoritmos e meios de análise específicos.

“Cada cultura tem diferentes prioridades e necessidades, mas o conceito é o mesmo. Coletar os dados, analisar e dar aos produtores um valor”, diz ele. A transição leva, em média, de três a quatro meses, tempo para aprender sobre a cultura, sobrevoar os campos, adaptar sensores e criar o sistema de classificação.

A citricultura representa a maior parte do negócio da See Tree, mas ela também está em culturas como abacate e óleo de palma. Além de Brasil e Estados Unidos, a startup sediada em Israel tem clientes no Chile e na Indonésia e prospecta negócios também na Europa, com a expectativa de conclusão em 2020.

Fonte: Globo Rural